Aprender com o passado e focar no futuro para construir o presente

Mais e mais vemos o capitalismo de stakeholders ganhando corpo entre empresas, com benefícios econômicos, sociais e ambientais

 

Por Valéria Militelli*

 

“O passado e o futuro é onde concentro boa parte do meu tempo, mas sempre com a intenção de trazer lições de ontem e de amanhã para o mundo de hoje”. É com essa frase que John Elkington –conhecido como o “pai da sustentabilidade” e criador do tripé Economia, Social e Sustentabilidades — explica o foco do seu trabalho e a tomo emprestada para entender um movimento recente que tem o potencial de mudar a relação entre economia e sociedade: a transição do sistema de shareholders para o de stakeholders, sob critérios ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança).

 

Olhar para trás e projetar para onde se quer ir é essencial nas transformações que pretendemos fazer hoje. E buscar o que se quer no futuro também constrói o presente. O mundo capitalista vive exatamente esse momento quando se pensa em administração, com o foco sendo voltado para os stakeholders, e não mais exclusivamente aos acionistas (shareholders). É sem volta e tende a fortalecer o chamado capitalismo consciente no futuro. Já devíamos ter entrado na era do “nós” que subistitui o solitário “eu”. Benefícios coletivos acimas dos individuais.

 

Esse caminho começou a ser aberto mais recentemente porque percebeu-se que a distribuição de valor, a riqueza gerada pela produção de bens e serviços, precisava ser maior, mais diluída e atingindo não apenas acionistas, mas também comunidade, fornecedores e clientes. Isso significa, necessariamente, envolver questões ambientais e sociais nos planos de negócios. Isto significa reconhecer, de fato, que os impactos gerados por uma atividade empresarial são maiores do que o seu lucro ou prejuízo financeiros. Significa que nem tudo pode ser quantificado da mesma forma que vínhamos fazendo.

 

Apesar de ainda recente, já é possível encontrar resultados positivos para todas as partes envolvidas que vão desde o ganho econômico ao reputacional. Quando todos estão envolvidos, a tendência é que haja uma espécie de “proteção” ao bem em comum e ações convergentes, que falam a mesma língua, com maior potencial.

 

Talvez o exemplo mais emblemático seja a rede Whole Foods Market (WFM), empresa de varejo de alimentos nos Estados Unidos, pioneira em atrelar princípios de responsabilidade social nas operações comerciais. Além de retornos econômicos relevantes a empresa também consegue ter uma espécie de “proteção” da comunidade local, onde atua. No Brasil, quem se destaca e muito, é a Natura &CO.

 

Importante parte dos investidores também já percebeu e pressiona para que mais empresas espalhadas pelo mundo incluam o foco em stakeholders em seus planejamentos. Bilhões de dólares estão sendo alocados em empresas e projetos que buscam essa nova forma de planejamento e outros tantos devem chegar ao longo do tempo.

 

E tempo é o que ainda temos para aperfeiçoar cada vez mais essas mudanças. Não é arriscado dizer que vivemos um período de autorregulação, com cada organização buscando entender sua relação com todas as partes interessadas para gerar valor. Mas não há dúvidas também que órgãos reguladores devem atuar neste sentido.

 

Um sinal disso é o que recentemente fez a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão que regula o mercado de capitais nos Estados Unidos, de colocar para jogo a proposta de impor às empresas maiores avaliações sustentáveis que incluam o escopo 3. Ou seja, impor a obrigatoriedade de cuidar da pegada sustentável tanto de seus fornecedores quando de clientes.

 

Também percebe-se que a construção desse capitalismo consciente tem passado pelas redes sociais, ferramenta que permite maior engajamento das partes interessadas. Quem nunca viu consumidores se organizarem em plataformas digitais para pressionar por investimentos sustentáveis de uma determinada empresa, ou até mesmo em movimentos mais assertivos quando envolvem assuntos de minorias? Alguns consumidores hoje também desempenham o papel de marketing ou vendas através destes mesmos canais.

 

As redes sociais abrem espaço maior para mais stakeholders terem voz, amplificando suas demandas e questionamentos sobre uma determinada empresa, setor ou entes públicos. Trata-se de um novo cenário positivo se os administradores souberem tomar proveito, focando suas ações para um bem maior e coletivas que, além de trazer melhorias sociais, também geram ganhos financeiros e reputacionais.

 

Torna-se fundamental entender as “externalidades” que atuam em cada empresa e medi-las da melhor forma.

 

Ainda há muito o que ser mudado, e muitas discussões ainda vão exigir tempo e dedicação de empresas, trabalhadores e consumidores. Mas estamos diante de uma oportunidade única que busca unir todos os elos de uma mesma cadeia.

 

*Valéria Militelli é Diretora de sustentabilidade, comunicação, impacto social e relações institucionais no Grupo Ultra; professora convidada da Fundação Dom Cabral; presidente do conselho consultivo da Phomenta; membro da rede de Responsible Leaders BMW; da Liga de intraempreendedores global e conselheira do Instituto Ultra

GOSTOU? COMPARTILHE:

E-mail
Facebook
Twitter
WhatsApp