Cadê o dinheiro da Biodiversidade?

Por Gustavo Souza*

 

2022 é um grande ano para a biodiversidade. Após 15 dias de negociação em Genebra, é a primeira vez após a pandemia que os países da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) se reuniram pessoalmente em Março deste ano para definir os rumos da biodiversidade nos próximos dez anos.

 

O que está em negociação é o novo Marco Global para a Biodiversidade Pós-2020, o qual incluirá uma visão de longo prazo, um conjunto de objetivos e metas globais, uma estrutura de monitoramento e um pacote de financiamento. A grande expectativa é que este processo se finalize na Conferência das Partes (COP15), em Kumming, ainda este ano. Ou melhor, já este ano, uma vez que as decisões seriam adotadas em 2020, mas que não foram possíveis devido a pandemia de COVID-19.

 

Construir um marco ambicioso não é uma tarefa fácil de ser acordada por 196 países membro da Convenção, principalmente porque a implementação das metas dependerá fortemente de aportes de recursos financeiros, e é exatamente aí que a conversa endurece.

 

De um lado, temos um grupo de países, em sua maioria desenvolvidos, pressionando por objetivos e metas mais ambiciosas e um mecanismo de transparência robusto. Do outro lado, temos os países em desenvolvimento e economias de transição, pressionando por recursos financeiros alinhados a este mesmo nível de ambição, para endereçar problemas de assistência e capacitação técnica, acesso à tecnologia e fechar o tal ‘déficit de financiamento para biodiversidade’.

 

As estimativas são bastante claras. Fechar a lacuna de financiamento da biodiversidade implica diretamente em um aporte de recursos da ordem de US$ 722 bilhões ao ano até 2030, segundo relatório ‘financiando a natureza’, produzido pela The Nature Conservancy. Em 2019, o fluxo financeiro para conservação da biodiversidade foi de apenas US$ 140 bilhões, o que representa 0,13% do PIB global. Em contrapartida, os incentivos econômicos negativos, principalmente subsídios nocivos à biodiversidade, como agricultura, silvicultura e aquicultura convencionais, representaram um aporte de cerca de US$ 500 bilhões em 2019, segundo mesmo relatório.

 

Na prática, fechar esta lacuna significa aumentar a mobilização de recursos para biodiversidade, principalmente através de financiamento público, assistência internacional ao desenvolvimento e capital privado, e reduzir drasticamente os incentivos perversos que colocam em risco a conservação da biodiversidade.

 

É exatamente neste ponto que os países divergem nas mesas de negociação da CBD. Há um entendimento comum entre alguns países em desenvolvimento de que o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), principal veículo de financiamento e implementação da CBD, é pouco efetivo em termos de sua complexidade e agilidade no acesso aos recursos, o que impacta diretamente na implementação dos compromissos assumidos.

 

São várias as alternativas apontadas para endereçar o tema de mobilização de recursos. Alguns países sugeriram criar uma taxa de 1% sobre as vendas a países desenvolvidos de todos os produtos derivados da biodiversidade, enquanto outros sugeriram dedicar 1% do PIB global, cerca de US$ 800 bilhões, para a conservação da biodiversidade. Surgiu ainda uma proposta de criação de um novo fundo global para Biodiversidade, além do GEF como único mecanismo financeiro de implementação da CBD.

 

Essa discussão se torna ainda mais relevante no contexto do anúncio da oitava reconstituição de recursos do GEF (GEF-8), o qual aportará US$ 5,25 bilhões para o período 2022-2026, dos quais US$ 1.89 bilhão está rubricado para biodiversidade, a maior quantia desde a sua fase piloto em 1991. Para adicionar mais uma camada de complexidade, o que se está pleiteando nas mesas de negociação da CBD são recursos ‘novos’ e ‘adicionais’, que vão além das cifras já carimbadas e comprometidas do GEF.

 

Há uma grande expectativa de que as negociações referentes ao tema de mobilização de recursos avancem na próxima reunião do grupo de trabalho do Marco Global, que acontecerá em Nairóbi, Quênia, entre os dias 21 e 26 de junho. Esse encontro será crucial para que um acordo maior se concretize na COP-15, sediada pelo governo chinês na cidade de Kumming.

 

Sem dúvida, destravar essa negociação dependerá fortemente de compromissos robustos por parte de países desenvolvidos, e de um grupo de países que atuem como lideranças diplomáticas de facilitação. Esses compromissos devem ser adequados ao propósito e à visão comum acordadas no Marco Global, o que implicará em objetivos e metas ambiciosas, porém possíveis de serem implementados pelos países que detêm grande parte da biodiversidade do planeta.

 

*Gustavo Souza é diretor de Política e Clima para as Américas na Conservação Internacional. Graduado em Gestão de Políticas Públicas pela USP e mestre em Gestão de Recursos Naturais pela Universidade Técnica de Munique (TUM)

Foto: Conservação Internacional

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