Avaliar os impactos da mudança climática no desempenho futuro das empresas ainda é algo novo para o mercado financeiro, mas, aos poucos, começa a ser feito. Em entrevista ao Convergência pelo Brasil, o estrategista-chefe da Guide Investimentos, Luís Sales, admite que os analistas das empresas de capital aberto não foram treinados para levar em conta o aquecimento global entre os riscos das empresas. “Muitos dos analistas não têm a experiência e o conhecimento do tema”, diz. Mas afirma que, à medida que os investidores demandem esse tipo de análise, o mercado vai responder de forma positiva. “Quanto mais os clientes pedirem, mais os profissionais do mercado vão se capacitando para gerar análises que envolvam esses riscos.”
Sales diz que a Guide começou no ano passado a olhar para o impacto da mudança climática nas empresas. E afirma que o número de clientes interessados em investir em empresas com boas práticas ambientais está crescendo. Abaixo, trechos da entrevista.
Por que bancos e corretoras não levam em conta os riscos e impactos da mudança climática nos relatórios de avaliação e valuation de empresas de capital aberto?
Respondendo de forma direta, porque não faz preço no mercado, ou seja, não impacta nos resultados de curto prazo. Com a pandemia, esses riscos passaram a ser mais debatidos e esses pontos começam a ser levados em conta. Mas ainda é algo novo para o mercado. É difícil mensurar financeiramente esses riscos. As pessoas não conhecem muito bem o tema e é difícil falar sobre o que não se conhece. Muitos dos analistas não têm a experiência e conhecimento sobre o tema. Acho que, à medida que os clientes pedem, os profissionais do mercado vão se capacitando para gerar análises que envolvam esses riscos.
Mas no longo prazo o impacto pode ser muito relevante para o negócio das empresas.
Concordo. No processo de avaliação de uma empresa, há o lado do risco e do retorno. Talvez na parte do risco seja possível mensurar melhor (o impacto da mudança climática). Agora, o tamanho do impacto é difícil falar. Vai reduzir a taxa de desconto, mas é 1% ou 2%? Não temos literatura para abordar isso. Seria algo importante para ser pesquisado.
E quais setores podem ser mais impactados?
O setor de energia está no foco por conta da busca por fontes alternativas. Vejo o lado de “energia suja”, como petróleo e gás natural, sendo mais impactados. Hidrelétricas sofreram muitas críticas recentemente. São consideradas fontes renováveis, mas, num segundo momento, podem voltar a sofrer pressão (pelas fontes alternativas, como solar e eólica).
Hoje o que está em voga são os setores em que os impactos ambientais são flagrantes, como petróleo e gás natural, mineração e frigoríficos, setores com problemas latentes que estão sendo abordados, mas que ainda não estão sendo analisados no longo prazo.
A Guide analisa os impactos da mudança climática nas empresas?
Começamos a entrar no tema no ano passado. Percebemos que o assunto é mais complexo e precisamos de atenção mais dedicada. Estamos começando a olhar alguns pontos. Quando se fala na agenda ESG no mercado como um todo, a parte de governança tem recebido mais atenção do que a sustentabilidade.
Recentemente o Banco Central colocou em consulta pública proposta para que o clima seja um dos riscos aos negócios a ser monitorados sobre os bancos.
O fato de ser um setor muito regulado pode favorecer a adoção dessa agenda, que depende do governo. E, do lado dos bancos, eles têm todo interesse em reduzir riscos. Essa medida pode ser um passo muito importante. No passado, os grandes bancos anunciaram que não iriam mais financiar frigoríficos com desmatamento na Amazônia. Claro que, no Brasil, empresas de mineração, frigoríficos e petroleiras são grandes clientes de bancos. O desafio será conciliar esses dois lados.
Os clientes cobram mais posicionamento?
Sim. É crescente o número de clientes que querem investir em empresas e setores sustentáveis. Estamos começando a fazer uma seleção dessas empresas. Ainda não fazemos filtro nas recomendações gerais, mas para os clientes que pedem.