O que podemos esperar da COP27?

Convergência Pelo Brasil entrevistou Natalie Unterstell e Flávia Bellaguarda. Para especialistas, conferência deve ser focada em implementação e monitoramento

 

Para que o aquecimento global fique dentro de um limite aceitável, temos que chegar a 2030 diminuindo pela metade as emissões que tínhamos há quase duas décadas atrás. Nesse contexto, a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022, a COP27, que acontece entre os dias 6 e 18 de novembro, em Sharm El Sheikh, Egito, é um momento de avaliar em que ponto estamos, após muito debate e promessas feitas nas edições anteriores. Para ter uma ideia do que esperar, o Convergência Pelo Brasil conversou com duas importantes observadoras das negociações climáticas brasileiras: Natalie Unterstell, presidente da Talanoa, think tank brasileiro dedicado à política climática, e Flávia Bellaguarda, especialista em justiça e política climática.

 

A Conferência ocorre tendo como pano de fundo múltiplas crises, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, que gerou muitas instabilidades. Além disso, o evento acontece na África e, como destaca Flávia Bellaguarda, é sempre relevante ter uma COP no sul global, “onde ficam os países mais vulneráveis às mudanças climáticas e, muitos deles, os que menos contribuíram para isso.” 

 

As duas especialistas ouvidas, em consonância com outras análises sobre o assunto, acreditam que implementação e monitoramento são palavras-chave desta edição. “Mais do que promessas e documentos assinados, o que se espera é que os países cheguem com notícias sobre o cumprimento de seus compromissos”, detalha Natalie Unterstell. Isso se deve ao fato de estarmos encerrando alguns prazos importantes estabelecidos no Acordo de Paris, assinado em 2015. “Essa COP vai exigir concretude da sociedade civil, empresas e governos, dando cada vez menos espaço para o greenwashing”, completa Flávia Bellaguarda. Também é esperado um progresso sobre o objetivo global de adaptação, previsto no Acordo.

 

No quesito monitoramento, Flávia e Natalie acreditam que os diálogos técnicos sobre o Global Stocktake também devem aparecer bastante. Trata-se de uma avaliação global que vai ser feita a partir do ano que vem sobre o que cada país fez em relação aos objetivos do Acordo de Paris. “O que está se definindo agora é como isso vai ser feito, quais são os critérios e assim por diante”, explica Natalie. Nesse ponto, segundo Flávia, o Brasil pode mostrar a Proposta de Emenda à Constituição, que inclui a segurança climática entre os direitos fundamentais e princípios econômicos e obriga o Estado a tomar medidas para isso. A (PEC) 37/21 foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, neste mês de outubro.

 

Perdas e danos deve ser tema-chave

Em relação às temáticas, o foco deve estar no assunto perdas e danos, que vai na agenda de muitos governos. Esse é um terceiro pilar das discussões sobre mudança climática, além de mitigação e adaptação, e seu protagonismo se deve ao fato de que o grau de aquecimento que o planeta experimenta já causou algumas situações irreversíveis. Por exemplo, eventos extremos em lugares pobres e países vulneráveis, que não têm mais como criar tecnologias para barrar o problema. “Não adianta mitigar e não basta adaptar, já há perdas e danos, que podem ser econômicas, sociais e até culturais”, pontua Natalie. 

 

Nesse ponto, é importante lembrar que essa é uma COP na África e há um pleito dos países africanos pedindo há bastante tempo que se criem mecanismos para que os países mais ricos financiem as adaptações nos mais pobres. “Os países que já estão sofrendo com perdas e danos, além de serem pobres, estão tendo que se endividar para se recuperar de eventos extremos. Ao mesmo tempo, os países desenvolvidos, que são os grandes emissores, temem que, se criados, esses financiamentos para perdas e danos criem uma obrigação legal internacional retroativa, para que eles tenham que compensar os demais países pelas emissões até agora”, explica Natalie. Segundo ela, com relação a essa pauta, o Brasil costuma ser silencioso, já que também somos grandes emissores. 

 

Outros assuntos

Outra pauta que deve ganhar força, na avaliação de Natalie, diz respeito aos mecanismos para regular o sistema financeiro. “Está em jogo uma discussão ampla sobre o papel dos bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, FMI e bancos interamericanos. Eles têm a prerrogativa de apostar no desenvolvimento, mas hoje não dá para pensar em um desenvolvimento que não seja resiliente e tenha carbono zero como meta”, explica.  “Uma das questões colocadas é sobre uma entrega mais rápida e em maior escala de financiamento climático e, ao mesmo tempo, que o financiamento de fósseis seja deixado para trás”, explica Natalie. Ela destaca que uma reforma mais ampla está sendo puxada pela primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, que tem liderado discussões sobre o que precisa ser feito para que essas instituições, de fato, ajudem o mundo a acelerar a transição para uma economia de baixo carbono. 

 

Os pacotes de transição energética justa também devem ser mencionados. Segundo Natalie, o assunto começou a ser debatido no ano passado, com a demanda de 110 bilhões de dólares que a África do Sul colocou na mesa para fazer a sua transição do carvão. De lá para cá, eles estão avançando e outros países adotaram e conseguiram recursos para os seus pacotes de transição justa, como Filipinas, Indonésia e Nigéria. “É uma outra avenida para financiamento, que o Brasil pode querer explorar, colocando o seu pacote na mesa”, afirma Natalie. O assunto mercado de carbono é outro que continua aquecido, embora Flávia não acredite em uma grande maturação ou regulação do mercado neste momento. 

 

Mais um destaque é que, pela primeira vez na história, a COP27 vai dedicar um pavilhão para a justiça climática. “É muito importante desenvolvermos essa pauta neste momento, ainda mais quando falamos de Sul global”, destaca Flávia. “Vale a pena convidar as pessoas a vestirem o óculos da justiça climática, humanizando a maior crise do nosso século”, pede.

 

Estados amazônicos vão à COP 27 

A Amazônia também deve continuar no centro do debate, inclusive com a pauta puxada por organizações internacionais e apoiada pela sociedade civil. Pela primeira vez, o Consórcio dos Governadores da Amazônia vai à COP com uma agenda própria. O principal item é a reativação do Fundo Amazônia, congelado desde 2019. “Teremos 3 brasis na COP: a sociedade civil (Brasil Hub), o governo federal e esse consórcio”, observa Flávia Bellaguarda, destacando que muitos planos devem ser lançados e muitas empresas devem olhar para esse pavilhão. “Vai ter muita inovação!”.

 

imagem: depositphotos

 

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