Por Clarissa Gandour
A Amazônia brasileira merece um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico. O modelo vigente mostrou-se incapaz de desenvolver a região, culminando em um cenário profundamente desalentador. Quando comparada ao resto do país, a Amazônia tem pior desempenho em áreas essenciais para a garantia da qualidade de vida e do bem-estar dos amazônidas, como educação, saúde, mercado de trabalho, violência, desenvolvimento humano… Não faltam indicadores para ilustrar a gravidade da situação.
O paradigma de desenvolvimento adotado na Amazônia tem dois aspectos centrais que, além de anacrônicos, são fortemente nocivos para a região: a crença de que é preciso desmatar para produzir e a persistente tolerância com a ilegalidade.
Historicamente, o desmatamento foi justificado e até mesmo incentivado como forma de ocupar a Amazônia. A remoção da floresta era vista como necessária para que a terra fosse destinada a usos supostamente produtivos, sendo a produção agropecuária o principal deles. Há pessoas que ainda evocam esse argumento e defendem o desmatamento a pretexto de preocupação com a segurança alimentar e a capacidade produtiva dos amazônidas.
Esse é, contudo, um argumento retrógrado, descolado da evidência empírica e do conhecimento técnico modernos. Desmatamento na Amazônia não é sinônimo de produção. A produção agrícola ocupa menos de 10% da área historicamente desmatada na região. Mais de 65% dessa área é destinada a pastos, tipicamente de baixíssima produtividade, e mais de 20% foi abandonada e permanece sem uso produtivo.
Se as áreas desmatadas não estão sendo utilizadas de forma verdadeiramente produtiva, é quase natural constatar que o combate ao desmatamento não impede a geração de riqueza na região — nem mesmo do setor agropecuário. Entre 2004 e 2012, quando a taxa de desmatamento despencou mais de 80%, em grande parte devido a esforços de política pública, o PIB real do setor agropecuário na Amazônia aumentou mais de 50%. Há, ainda hoje, ampla margem para crescimento da produção agropecuária via ganhos de produtividade ou expansão em áreas já abertas na região.
Além de ancorado na ideia ultrapassada de que desmatamento gera riqueza, o modelo de desenvolvimento vigente sistematicamente tolera a ilegalidade e, assim, torna-se cúmplice dela. A maioria esmagadora das áreas desmatadas na Amazônia é ilegal, pois não atende às regras existentes para a remoção legal de vegetação nativa no país. Mas não só isso. O desmatamento está também intimamente associado à ilegalidade e à criminalidade na região de forma mais ampla. Extração ilegal e tráfico de recursos naturais, grilagem de terras públicas e uma estarrecedora escalada da violência são apenas alguns de uma longa lista de exemplos dessa associação.
Às consequências devastadoras dessas atividades, soma-se a grave deterioração do ambiente econômico que delas decorre. Tolerar a ilegalidade afasta bons investimentos e boas oportunidades da Amazônia. Afinal, é custoso operar em um contexto de enorme insegurança de direitos de propriedade, sistemática impunidade para aqueles que descumprem lei, corrupção enraizada e grave risco para a integridade física de quem está na Amazônia. Empresas e empreendedores que querem operar dentro dos limites da lei simplesmente não são competitivos nesse ambiente.
A Floresta Amazônica é um precioso ativo que está sendo destruído essencialmente em vão. Desmatamento não é fonte de riqueza e desenvolvimento para a região, proporcionando ganhos imediatos, e frequentemente ilícitos, apenas a uma pequena parcela de pessoas em detrimento de benefícios coletivos de longo prazo. Ademais, enquanto não houver um sólido compromisso com o combate à ilegalidade, a região seguirá sem acesso a mercados formais, modernos e mais produtivos. Insistir no atual modelo de desenvolvimento é uma perversidade socioeconômica com a Amazônia e os amazônidas.
* Clarissa Gandour é bacharel, mestre e doutora em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Head de Policy Evaluation com foco em Conservação no Climate Policy Initiative (CPI) e pesquisadora associada do projeto Amazônia 2030.
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