“Mudança climática vai afetar cada vez mais a economia”, diz economista da MB Associados

Sergio Vale dá entrevista a Convergência pelo Brasil.

Segundo a consultoria MB Associados, a seca e as geadas registradas no Brasil nas últimas semanas devem tirar pelo menos R$ 60 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2021. Sem os impactos climáticos, a MB projetava crescimento de 5,5% do PIB em 2021. Agora, a crise hídrica e o frio que afeta safras agrícolas devem levar a um crescimento menor, de 4,7%.

 

Situações como essa devem se tornar cada vez mais comuns na medida em que a temperatura média do planeta aumenta e os países sofrem os piores efeitos da mudança climática, como secas mais longas, tempestades mais fortes, incêndios, ondas de calor, entre outros eventos. E, como o estudo da MB mostra, o clima tem efeito direto da produção de riqueza dos países.

 

Convergência pelo Brasil conversou com Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados sobre o assunto. Abaixo os principais trechos.

 

Impactos no PIB provocados pelo clima vão aumentar nos próximos anos?

 

Períodos mais longos de seca devem continuar acontecendo, parte disso tem a ver com mudança climática. Não dá para saber quanto. A economia será afetada e não estamos fazendo muito para evitar. Estamos à mercê de mudanças climáticas e vamos estar cada vez mais.

 

De que forma a economia dos países será afetada pela mudança climática? O que os economistas estão prevendo?

 

Como dizem os climatologistas, os impactos não serão lineares. A mudança climática vai desencadear uma série de eventos que escalarão de forma exponencial – e nem temos ideia do que pode acontecer. Olhando para o que está acontecendo agora e projetando o que virá, podemos dizer que está claro que teremos um problema crônico de água. Já estamos vendo secas mais severas em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil, que já estão afetando a produção agrícola. Nas próximas décadas, com a mudança do clima, podemos ver uma alteração nas regiões produtoras. O norte da Rússia terá áreas disponíveis provocadas pelo degelo que podem ser aptas para a agricultura. Se isso ocorrer numa região próxima da China, poderá alterar a cadeia agrícola mundial.

 

E qual o impacto da mudança climática poderá ter em variáveis macroeconômicas, como inflação, juros e câmbio?

 

Vou responder de modo mais geral. Um ponto que se junta às questões climáticas é que não teremos o “efeito China” na economia mundial. A entrada da China, que tinha intensa mão de obra barata, nas cadeias globais de produção, provocou boa parte da desinflação que vimos nos últimos anos. Isso é algo que não teremos nas próximas décadas. A Índia não vai desempenhar o papel que foi da China. Veremos preços mais altos por conta da mudança disso. E dentro desse contexto podemos colocar a questão climática. Tecnologias mais caras para produzir bens e energia jogam ainda mais pressão nos custos de produção de bens. E, também, há a questão agrícola, que poderá causar mais alta de preços. Se juntarmos tudo, o cenário é de inflação mais elevada nas próximas décadas. Consequentemente, tenho impressão de que o mundo de juro baixo, que chegou a próximo a zero em muitos países, também será algo do passado. Nas próximas décadas, deveremos conviver com taxas de juros mais elevadas. Isso se associa à piora fiscal sistemática que temos visto mundo afora. O mercado vai demandar juros maiores por conta do maior endividamento. Juntando tudo, vai ser um mundo com pressões crescentes em termos de inflação e juros. E o câmbio é um termômetro que mede se um país está bem ou mal. Países estáveis, que fizeram reformas e que encaminham bem as questões climáticas terá entrada de capital externo e o câmbio pode apreciar. Um país como o Brasil, com dificuldade de entrar num ciclo positivo de reformas, fora das cadeias globais de produção, com uma imagem péssima por conta da forma como lida com a questão ambiental deverá sofrer uma pressão cambial estrutural nos próximos anos, algo que já vimos na última década. O cenário é complicado.

 

Na sua opinião, os agentes econômicos têm consciência da urgência de zerarmos as emissões líquidas de carbono para evitar o o aumento da temperatura média do planeta?

 

Eu acho que ainda não caiu a ficha sobre o ponto de ruptura. Os governos deveriam atuar para reverter as emissões de carbono de forma radical, o que não vemos hoje. A gente precisaria, no momento, de um imposto de carbono da ordem de 75 dólares a tonelada de CO2 para a emissão cair em 35% até 2030 e zerar em 2050. Mas a média hoje é três dólares, muito distante do necessário. A China, principal emissor de carbono do mundo, começou agora a criar um mercado de carbono nos moldes da Europa, que levou 15 anos para consolidar o seu mercado. A China deve levar o mesmo tempo, o que daria 2035. Então, temos um aumento “contratado” de temperatura, de mais de 1,5º C e aí vamos ter que trabalhar com mitigação. E esse processo não começou. Quando os impactos vierem com força, países pobres empobrecerão ainda mais, haverá refugiados e outros problemas. Quando perceberem será tarde demais.

 

Economistas estão levando em conta a mudança climática na criação de cenários projeções econômicas?

 

É difícil levar em conta nas projeções, já que costumamos focar no curto prazo e os piores efeitos da mudança climática devem acontecer em mais de dez anos. É verdade que os problemas estão no presente. Por exemplo, a continuidade da destruição da Amazônia. A savanização da floresta mexerá de forma severa o regime de chutas do Sul e do Sudeste. Mas é algo que os cientistas preveem para o fim da década. Quando se fala em projeções, essas questões não entram ainda de forma pesada. Mas vão entrar. Será premente estimar o impacto da mudança climática na economia.

 

Que impactos a mudança climática pode causar na geopolítica global?

 

O ideal seria uma solução conjunta dos países. Mas uma vez que isso é quase impossível, a não ser que ocorra uma catástrofe, o provável é vermos a formação de grupos de países que atuarão de forma conjunta. Países com pensamento similar na questão ambiental. Foi o que vimos na Europa. O imposto de importação criado pela União Europeia a produtos de países sem a preocupação ambiental é um exemplo de ação que pode se tornar mais comum. É uma solução prevista hoje por economistas que estudam o assunto há algum tempo. Em The Spirit of Green (O Espírito do Verde, em tradução livre) o economista William Nordhaus (ganhador do Nobel) aceita a hipótese de impossibilidade de uma governança global a favor do clima e prevê a ideia de soluções regionais. E aí uma das medidas é a criação de impostos sobre bens “não sustentáveis”. Mas acredito que medidas como essa colocam mais estresse num mundo já bastante protecionista e com tensões geopolíticas crescentes. A China fez uma gritaria enorme com o imposto da União Europeia. E acaba sendo algo paradoxal: essa movimentação de países avançados na criação de impostos como esse deve continuar, o dificultando ainda mais uma solução global.

 

O Brasil, caso continue devastando a Amazônia, pode sofrer sanções graves, como o presidente americano Joe Biden anunciou durante a campanha eleitoral?

 

O Brasil está em situação ainda mais complicada. O único momento de queda relevante do desmatamento da Amazônia ocorreu no fim do segundo mandato do ex-presidente Lula. Nesse momento nos tornamos um ator global relevante no assunto. A partir de Dilma, a falta de preocupação com a Amazônia retornou. Os desmatamentos aumentaram e continuam acelerando até hoje. O nível atual é preocupante não só pelo desmatamento em si, mas pela falta de percepção de risco e mau gerenciamento sobre a questão. Na prática, o governo atual, graças à má gestão da questão ambiental, destrói o soft power que o país ganhou nos últimos anos com o manejo. Vamos pagar um preço alto lá na frente.

 

Qual o impacto real?

 

Esse cenário de destruição da imagem do Brasil, além de diminuir o soft power do país, afeta na esfera do ESG das grandes empresas e dos países. Multinacionais cada vez mais terão o ESG dentro das decisões de negócios e investimentos. E o Brasil pode deixar de receber investimentos nos próximos anos caso não lide de forma responsável com o meio ambiente, que podem afetar nossa economia.

 

Na retomada da economia pós-Covid, como conciliar desenvolvimento econômico, inclusão e sustentabilidade?

 

Será muito complicado. As soluções não são simples. Os países mais pobres, que vão sofrer mais com a mudança climática, estão em processo inicial de crescimento e estão no estágio do uso de tecnologias mais baratas, baseadas em carvão e petróleo. Adotar tecnologias sustentáveis ainda é muito caro para eles, o que será um obstáculo. Precisamos criar uma solução para esse problema. Há alguns meses, o Raghuram Rajan (economista e ex-presidente do Banco Central  da Índia) sugeriu, em artigo, algo que eu acho interessante, mas muito difícil de ocorrer: a criação de uma taxa aos países que emitem mais carbono que a média per capita global e o direcionamento dos valores arrecadados aos países que emitem menos, que receberiam um valor proporcional (quanto menos emitem, mais recebem). Esses recursos seriam usados para ajudar os mais pobres na transição para a economia mais sustentável. Mas para que isso seja posto em prática, precisamos de uma governança global, algo difícil com essa disputa entre China e Estados Unidos. Então vai ser complicado. Haverá uma perda duplas para a população de países pobres: estão entre os países mais afetados pela mudança climática e que não têm governos com recursos para lidar com o problema.

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