“Sustentabilidade entrou de maneira decisiva na agenda chinesa”, afirma Cláudia Trevisan

As pautas de desenvolvimento sustentável e redução da emissão de gases do efeito estufa entraram de maneira decisiva no planejamento chinês, segundo Cláudia Trevisan, diretora executiva do Conselho Empresarial Brasil-China, o CEBC.

 

Cláudia Trevisan é jornalista, foi correspondente internacional do jornal O Estado de S. Paulo em Pequim e Washington durante uma década e é autora dos livros China: o renascimento do império (Editora Planeta) e Os Chineses (Editora Contexto). 

 

Em entrevista à Convergência pelo Brasil, Cláudia falou sobre os novos desafios na relação comercial entre Brasil e China para o cumprimento de exigências de redução da emissão de gases estufa e desmatamento, o futuro do mercado de energias renováveis e a cooperação dos países no desenvolvimento da agenda da sustentabilidade internacional. 

 

Até hoje a China nunca colocou como condicionantes as questões relacionadas à emissão de gases estufa em seus negócios. Devemos esperar que a China comece a olhar mais para as emissões dos países com quem ela mantém relações comerciais?

 

Acho que sim. A questão da sustentabilidade entrou de maneira decisiva na agenda chinesa, na agenda do México e na agenda Internacional. Um exemplo disso foi o acordo que China e Estados Unidos assinaram na Conferência de Glasgow. Acredito que o que tem mais potencial para o Brasil, nesse cenário, é o compromisso dos dois países, China e Brasil, de combater o desmatamento ilegal, com os dois lados engajados, de maneira colaborativa, em uma ação global de combate ao desmatamento, por meio do enforcing, aplicando suas respectivas leis, e podendo banir a importação de produtos “ilegais”.

 

Como essa agenda vem se desenvolvendo no Brasil?

 

Já é possível ver essa movimentação aqui no Brasil. A Cofco, uma holding chinesa que entrou no Brasil depois das concorrentes europeias e americanas, tem, desde já, o compromisso de rastrear toda a soja que compra, de maneira direta, até 2023. 

 

Essa agenda da sustentabilidade entrou de maneira decisiva, por exemplo, no planejamento doméstico chinês. Para a China, este é um tema crucial para o seu próprio desenvolvimento sustentável no longo prazo. Então, acho que vai refletir cada vez mais no engajamento da China e seus parceiros ao redor do mundo.

 

O Brasil deve olhar isso como uma oportunidade, e não como uma ameaça. O Conselho Empresarial Brasil China – CEBC lançou em outubro um documento que foi elaborado com a participação dos associados do conselho, em que apresentamos propostas para a relação bilateral baseada nos pilares de sustentabilidade e tecnologia e inovação. Nós acreditamos que há uma grande oportunidade de cooperação entre os dois países em áreas como agricultura de baixo carbono.

 

O que já tem sido feito no Brasil nesse sentido?

 

Em julho, fizemos o primeiro Diálogo Brasil-China sobre Agricultura Sustentável, com participação de autoridades chinesas, pessoas do setor financeiro chinês e brasileiros e dos ministros da Agricultura do Brasil e da China. Ficou claro que há interesse de instituições financeiras chinesas em investir em projetos verdes no Brasil, de agricultura de baixo carbono, pecuária com carbono zero.

 

O Brasil tem uma série de protocolos que já são aprovados, desenvolvidos pela Embrapa, como o programa ABC, Soja Baixo Carbono, Carne Carbono Neutro. São protocolos que podem levar a uma redução das emissões do setor agrícola e atrair investimentos do setor financeiro chinês para o Brasil. 

 

Outra possibilidade é o Mercado de Carbono. A COP26 deu um passo para regulamentar o mercado global de carbono. O Brasil é um dos países mais bem posicionados para gerar créditos de carbono, enquanto a China é um dos que provavelmente vai demandar mais créditos. 

 

Por isso, acreditamos que há um amplo caminho na relação entre Brasil e China, de harmonização de padrões, de plataformas, de taxonomia, que pode levar o Brasil a vender esses créditos de carbono e usar esses recursos no desenvolvimento do país. 

 

Existem também oportunidades no setor de energia renovável. A China é um líder mundial no desenvolvimento de energia eólica e energia solar. Um dos grandes espaços para o Brasil ampliar sua geração de energia de maneira também limpa são essas duas fontes de energia: eólica e solar. 

 

Há um campo muito grande para cooperação conjunta e também um espaço para cooperação e para negócios, inclusive na área de mobilidade elétrica. A China é um líder na área de carros, ônibus, caminhões elétricos, e que são muito mais acessíveis… Seria ótimo ter um Tesla, mas é uma parcela muito pequena da população que vai conseguir ter um e a China tem soluções que são muito mais populares. Elas podem não ser tão sofisticadas, mas funcionam. Para um país como o nosso, essa é a questão que importa. Assim, nós também vemos na área de mobilidade elétrica um potencial grande a ser explorado entre os dois países.

 

Qual peso você acredita que a China dará para essas condições acordadas na COP26 daqui para frente? E o que o Brasil precisa fazer pra continuar tendo a China como maior parceiro comercial? 

 

Eu acho que é muito difícil avaliar qual o peso e em qual velocidade, mas é importante ter em mente que é uma prioridade da China. Não acredito que a China vá já no ano que vem ter uma postura mais rígida, como a da Europa, mas eu acredito que vão começar a olhar para isso e o Brasil deve prestar atenção, pois é o seu maior cliente, seu maior parceiro. 

 

Uma parte significativa do agronegócio já está olhando para isso e está implementando todas essas práticas: integração lavoura-pecuária-floresta, fixação de nitrogênio no solo, ou seja, práticas que são reconhecidas como de baixa emissão de carbono. Isso deve se acelerar, e acho que está se buscando tecnologia para fazer com que a produção agrícola seja mais sustentável.

 

Você acredita que a China está olhando também para o uso do solo? Como é a questão do desmatamento para o país como comprador, será que esse é um fator determinante para que ele deixe de negociar com o Brasil?

 

Acredito que está começando a ser relevante, principalmente pelo fato de que o comunicado divulgado pela China e os EUA na COP26 fala expressamente do fim de desmatamento ilegal e de restrições à importação de produtos que são fruto de desmatamento ilegal. Ele não tem um timetable, ou seja, ele não fala “vamos proibir a importação de produtos fruto de desmatamento ilegal ano que vem, em cinco anos ou em dez anos”, mas dá uma clara sinalização de que essa questão vai começar a ser cada vez mais olhada pela China. O compromisso da COFCO, por exemplo, de rastrear toda a soja que ela compra de maneira direta até 2023 é um reflexo disso também, de que as empresas chinesas estão incorporando isso nas suas atividades. 

 

De que forma você acredita que pode se dar a cooperação entre Brasil e China no futuro das energias renováveis? 

 

A nossa proposta é de que haja troca de tecnologia, cooperação tecnológica no desenvolvimento de soluções para o setor de energia renovável, não só de energia eólica e solar, mas também de combustíveis alternativos: biomassa, combustíveis eólicos, etanol… O Brasil tem tecnologia, tem condições de ter uma cooperação e desempenhar um papel nisso. Então, acho que há muito espaço, sim, para cooperação. E é bom lembrar também que algumas das grandes empresas chinesas dessa área de energias renováveis, elas estão no Brasil, então você tem, na área de geração, transmissão, distribuição de energia, você tem a China Three Gorges, a CTG, é uma das maiores empresas de eletricidade da China e tem a State Grid, que é a maior empresa de eletricidade do mundo, que estão presentes no Brasil. E elas já estão expandindo seus investimentos em energia eólica e solar. E tem uma outra empresa chinesa, a China Nuclear, que também tem investido em plantas solares e eólicas no Brasil. Então, acho que há sim um espaço para cooperação bem grande.

 

Você falou que a China também é líder na área de automóveis elétricos. Como você acha que o Brasil pode contribuir com esse mercado? 

 

Uma das questões que serão importantes nessas novas tecnologias renováveis é o acesso a minerais usados nas baterias elétricas e o Brasil tem condições de produzir alguns desses minerais. O ideal seria que eles fossem processados aqui, que o Brasil tivesse uma capacidade ali de se integrar de alguma forma a essa cadeia global de produção de carros elétricos. Não acho que seria a única solução para reduzir as emissões do setor de transportes do Brasil, que também é muito forte também em etanol, biomassa, biodiesel e acho que esses combustíveis têm um papel importante ali a desempenhar no brasil. Mas, ainda assim, a questão da mobilidade elétrica é importante não só pela questão de termos mais carros elétricos na frota, ter ônibus elétricos, mas sim para a inserção internacional do Brasil, ou seja, como o Brasil pode fazer parte dessa cadeia produtiva, que vai ganhar cada vez mais peso. A Europa já estabeleceu limite para o fim do carro à combustão. Já existem países europeus com grande parte da frota já eletrificada. O Brasil não pode ficar fora dessa nova indústria automotiva.

 

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