Produtos compatíveis com a floresta podem movimentar mais de R$ 10 bilhões na Amazônia Legal, afirma pesquisador

Atualmente, a participação do Brasil neste mercado é irrisória, apenas 0,17%

 

Os produtos compatíveis com a floresta movimentam aproximadamente R$ 1,5 bilhão por ano em exportações, apenas na Amazônia Legal. Mas, o valor representa somente 0,17% do mercado global correspondente, que movimenta por volta de 159 bilhões de dólares ao ano (ou R$ 795 bilhões de reais). Se priorizados e bem trabalhados, os produtos compatíveis poderiam render mais de R$ 10 bilhões ao ano para a Amazônia em exportações. Isto sem considerar o consumo do mercado interno e, principalmente, sem que nenhuma árvore precisasse ser derrubada. É o que diz o pesquisador Salo Coslovsky, autor de quatro estudos sobre oportunidades para o desenvolvimento econômico da região da Amazônia Legal, do projeto Amazônia 2030.

 

Ainda segundo o estudo, os principais exportadores desses produtos não fazem parte do time de países de alta renda como Estados Unidos, Alemanha e Japão. Eles se encontram em países com renda per capita parecida ou até mesmo menor que o Brasil, como Bolívia, Costa Rica e Tailândia. Como esses países conseguiram converter seus recursos naturais em setores competitivos e como as lições dessas experiências podem servir de referências para as iniciativas de fomento na Amazônia brasileira?

 

Para responder essas e outras perguntas, conversamos com o pesquisador Salo Coslovsky, bacharel em Administração Pública pela FGV, mestre em Direito e Diplomacia pela Tufts University (EUA), doutor em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e professor associado da Universidade de Nova York. Coslovsky é responsável por uma série de estudos e analisa a temática junto ao projeto Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros que visam o desenvolvimento econômico e humano da Amazônia Legal.

 

Convergência pelo Brasil: Nos seus estudos, você define produtos potencialmente compatíveis com a floresta. O que são os produtos ?

Salo Coslovsky: O termo “produtos compatíveis com a floresta” surgiu no âmbito do Projeto Amazônia 2030 para descrever quatro tipos de produtos exportados pela região:

 

 – produtos florestais não madeireiros, como a castanha do brasil;

 – produtos típicos de sistemas agroflorestais, como o cacau, o dendê e a pimenta do reino;

 – produtos da pesca e piscicultura; e

 – frutas tropicais, como a manga e abacaxi.

 

De forma geral, essa lista inclui produtos frescos ou levemente processados, como polpas e óleos. Por precaução, a lista não inclui produtos mais processados, como chocolates, pães e biscoitos, pois incluí-los distorce os números. Seguindo essa mesma linha, a lista não inclui produtos típicos da agricultura familiar como feijão e a mandioca, que às vezes são produzidos em monocultura de maior escala. Por fim, a lista não inclui a madeira e seus derivados uma vez que seria difícil separar a madeira de manejo daquela oriunda de exploração predatória.

 

Usando esses critérios relativamente conservadores, encontramos 60 produtos compatíveis com a floresta que já foram exportados por algum produtor da Amazônia entre 2017 e 2019. Se considerarmos um período mais longo, com início em 2003, encontramos 13 produtos adicionais.

 

Convergência: Qual o tamanho deste mercado?

Salo: Durante o triênio 2017-2019, os produtores e comunidades da Amazônia faturaram uma média de US$295 milhões por ano exportando 60 produtos compatíveis com a floresta. Esses números indicam que a região já tem capacidade instalada e um número mínimo de empreendedores que conseguem competir com sucesso no mercado internacional.

 

Porém, quando colocamos a Amazônia no seu contexto global, descobrimos que esses mesmos 60 produtos movimentam uma média de US$159 bilhões por ano. Isso significa que a Amazônia Legal, um território que abriga cerca de 30% das florestas tropicais do planeta, mantém uma participação de mercado de apenas 0,18%.

 

Convergência: Qual o potencial da Amazônia Legal em ser uma grande exportadora de produtos florestais não madeireiros?

Salo: O Brasil é um país relativamente fechado ao comércio internacional. Na média, ele tem uma participação de 1,3%. Se a Amazônia conseguisse atingir essa participação média nos mercados de produtos compatíveis com a floresta, sua receita anual seria de US$ 2 bilhões (Aproximadamente R$ 10 bilhões de reais).

 

É um número enorme, e não acho que seja impossível de ser alcançado. Hoje, os principais exportadores dos produtos compatíveis com a floresta são outros países tropicais, na sua maioria com PIB per capita menor e condições socioeconômicas piores que o Brasil e a Amazônia brasileira.

 

Por exemplo, o Vietnã tem 42% do mercado global de pimenta do reino, que movimenta US$1,5 bilhões ao ano, enquanto a Amazônia tem 7%. A Bolívia tem 52% do mercado global de castanha do Brasil descascada, enquanto a Amazônia tem menos de 5%. Então está claro que países pobres podem ter sucesso nesses mercados.

 

Convergência: Quais lições podemos colher de experiências de nossos vizinhos?

Salo: De forma geral, políticas de fomento adotam uma abordagem de apoio incondicional. Em alguns casos esse apoio é oferecido na forma de subsídios, isenções e garantias de preço. Em outros casos, ele é oferecido através de investimento em infraestrutura como estradas, energia e comunicação. Independente dessas diferenças, a ideia é aliviar o fardo das empresas, sem discriminar entre elas e sem exigir nada em troca.

 

Em 2021 publiquei um estudo onde examinei como empresas em três setores distintos conseguiram avançar muito além e muito mais rápido do que era esperado. Em contraste com a visão convencional, que enfatiza o alívio dos fardos, os setores que estudei avançaram de forma notável, pois suas empresas foram confrontadas com exigências rígidas de performance e essas exigências foram combinadas com apoio específico, mas limitado.

 

Os detalhes de cada caso são importantes, então é preciso cautela na hora de generalizar. A lição mais evidente é que a oferta de apoio incondicional é pouco eficaz. Como argumentou Albert Hirschman, regiões aparentemente pobres e suas empresas costumam ter muitos recursos que estão escondidos, ociosos ou mal utilizados. Por isso, o desafio não é suprir ingredientes que estão ausentes, mas criar os estímulos necessários para que os recursos existentes sejam mobilizados em prol do desenvolvimento.

 

Uma lição menos visível, mas igualmente importante é que o desenvolvimento de cadeias não é um problema de otimização onde o desafio central é eliminar gargalos já conhecidos. Pelo contrário, trata-se de um problema de busca sob incerteza, onde o desafio é descobrir quais são os problemas mais críticos e qual o apoio necessário para que as empresas consigam resolvê-lo.

 

Convergência: Há quem diga que a solução para os problemas enfrentados na Amazônia está na própria Amazônia. Os produtos compatíveis com a floresta podem ser parte da solução dos problemas sociais enfrentados na Amazônia brasileira?

Salo: A Amazônia enfrenta situação parecida com outras regiões e países pouco desenvolvidos. Por força do enorme desmatamento histórico, a região tem um grande estoque de terras abertas e ociosas. A Amazônia tem também uma população predominante jovem e pleno acesso a tecnologias que poderiam aumentar a produtividade da sua agricultura, pecuária e atividades florestais. Arrisco dizer que a região tem boas oportunidades para atrair capital público e privado, tanto no Brasil como no exterior.

 

Mas se já tem tudo isso, o que falta? Na minha interpretação, falta o esforço de coordenar esses fatores de produção de forma adequada, e assim colocar a economia para girar. Nesse contexto, a ênfase nos produtos compatíveis com a floresta é benéfica, pois eles já são produzidos na região, têm mercado internacional grande e estabelecido, e os competidores não têm nenhum recurso que o Brasil também não tem.

 

Convergência: Mesmo com prognósticos positivos de forte aceitação em diversas partes do mundo, os produtos da Amazônia enfrentam dificuldades para se tornar competitivos. O que precisamos fazer para que os produtos da floresta sejam competitivos no mercado nacional e internacional?

Salo: Essa é uma pergunta-chave e a resposta que estamos tentando descobrir. A minha premissa central é que cada produto enfrenta seus próprios desafios e, portanto, merece atenção especial. Nesse sentido, acabei de levantar recursos com doadores privados e recrutei uma pequena equipe de pesquisadores para me ajudar a investigar onde estão as melhores oportunidades para promover esses setores. Em conversa com outros especialistas, decidi começar pelo cacau, que é um produto nativo da Amazônia. Nos próximos meses quero expandir nossa análise para outros produtos, como o café do tipo robusta, a pimenta-do-reino, talvez o abacaxi, que também é um produto nativo da região.

 

O objetivo dessa iniciativa é prospectar cada uma dessas cadeias de valor para descobrir onde estão as melhores oportunidades de gerar dinamismo na região. Se a intervenção tiver potencial de negócios, vamos oferecê-la para investidores privados. Se for um bem ou serviço público, vamos oferecê-la aos governos locais. E se for o caso de uma iniciativa piloto, vamos oferecer para a filantropia.

 

Convergência: Ainda temos muito a desmistificar em relação a essa temática?

Salo: Eu vejo três mitos principais que têm impedido avanços nessa agenda. O primeiro mito é que produtos primários não têm valor agregado. Essa ideia está por trás da ânsia em industrializar ou processar localmente os produtos da natureza, como se o único jeito de ganhar dinheiro fosse fabricando xampu ao invés de produzir os óleos, ou produzindo chocolate ao invés de produzir as amêndoas de cacau.

 

Talvez algumas empresas ou comunidades consigam ter sucesso produzindo bens de consumo, mas esses mercados são muito exigentes e volúveis. Grandes empresas multinacionais gastam fortunas em pesquisa de mercado, P&D, marketing, e distribuição para manter-se na frente. Competir com esse pessoal não é fácil.

 

Felizmente, há outra opção, que é fornecer produtos primários ou pouco processados para cadeias de valor globais. Grandes cadeias de supermercado, por exemplo, precisam abastecer suas gôndolas com mangas e abacaxis frescos. Os clientes querem que as frutas tenham tamanho uniforme, excelente sabor, coloração adequada, sem manchas ou contaminação, e bastante tempo remanescente de prateleira. Produzir uma fruta com essas características exige enorme talento gerencial e tecnologia, e pode ser um excelente negócio e ele cabe direitinho nas vantagens comparativas da Amazônia brasileira.

 

O segundo mito é que precisamos resolver problemas incrivelmente complexos, como a questão de educação, saúde, segurança, infraestrutura e corrupção, antes de resolver problemas relativamente simples, como a produção de castanha sem aflatoxinas, pimenta do reino sem salmonela, ou amêndoas de cacau sem insetos. De fato, é possível que a causalidade seja reversa, isto é, primeiro resolvemos os problemas simples citados acima, e assim ganhamos fôlego e recursos para ir resolvendo os problemas mais complexos. 

 

Um terceiro mito é que produtos compatíveis com a floresta são assunto exclusivo de política ambiental ou social. De fato, o que mostra minha pesquisa é que esses produtos merecem a atenção por parte dos responsáveis por políticas de desenvolvimento econômico sério.

 

Convergência: Como os produtos da floresta podem auxiliar o Brasil em um cenário de busca por uma economia de baixo carbono?

Salo: O bioma Amazônia já perdeu área equivalente aos estados de São Paulo e Paraná de florestas nativas. Grande parte dessas áreas está abandonada ou subutilizada. Como diz o ditado popular, se você está no fundo de um poço, precisa parar de cavar. Nesse caso, o Brasil precisa buscar desmatamento zero. Em paralelo, podemos começar a construir uma alternativa, nesse caso representada pela recuperação de áreas degradadas através do cultivo de espécies compatíveis com a floresta. Claro, há muito mais que pode ser feito, mas esse já seria um excelente começo.

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